Uma Vida de Lutas

por Leda Maria Thereza Otranto Robert

Janeiro de 2001. Neste início de ano novo, século e novo milênio, lembro-me muito bem do século passado.

Nasci no primeiro quarto do século 20 e minha memória parte do nascimento do meu irmão Weber, em 24 de dezembro de 1927. Lembro-me que saí com meu pai e fomos almoçar na casa de Dna Silvia, uma amiga da família. Quando voltamos, meu irmão já havia nascido e ele estava na cama, usando uma touca de crochet, ao lado da minha mãe. Depois … lembranças vagas da casa em que morávamos no bairro de Santa Cecília, em São Paulo. Em seguida, já vou para o batizado dele, que foi no ano seguinte. Nestas alturas, morávamos no Bráz, na Rua Fernandes Silva. Era uma casa alta, com escadas de mármore e porão habitável, onde foi realizada a festa do batizado. Lembro que foram assados muitos frangos e as mulheres dançavam o “Charleston”. Eu ficava muito no colo do meu primo Rafael.

Nesta casa minhas lembranças vão para o Natal, brincando de casinha com Yolanda, minha prima e, as travessuras do Weber. Eu devia ter meus 5 anos. Lembro quando da Revolução de 1930. Foi uma época muito difícil para meus pais. Papai ficou sem emprego e, então, todos os dias, íamos almoçar na casa dos meus tios Gregório e Annunziata.

Nesta casa morávamos com minha avó Maria Thereza, tia Mela e tia Izabel, com as filhas Severina e Yolanda. Lembro que depois fomos morar no Tatuapé, numa vila muito pobre, onde nasceu minha irmã Wilma. Neste dia, eu e o Weber ficamos na casa da tia Carmem e tia Joaninha fez bonecos de jormal. Tia Iuzza trouxe a notícia do nascimento da Wilma, que nasceu com lábio leporino. Logo em seguida, voltamos para o Bráz, para a Rua da Alfandega, onde morava vovó, tia Mela, tia Izabel e as minhas primas.

Mamãe logo cuidou da Wilma para ser operada e tivemos muita ajuda do Sr. Sacomani, pois como eles tinham carro, levavam a mamãe e a Wilma para a Santa Casa, para o tratamento.

Nesta casa lembro bem do homem que vinha toda a tarde para acender as luminárias à gás da rua. Lembro-me do homem que vendia amendoim torrado, do que vendia beijou e do que vendia batata doce assada, carregando o tabuleiro na cabeça. Tinha também o homem das cabras que vendia leite. Ele vinha sempre pela manhã. Uma das cabras, que era chamada de “madrinha”, levava um sininho no pescoço e, com isso, os moradores sabiam que ele estava chegando. A meninada levava uma canequinha com açucar para tomar o leite.

Nesta época, papai já estava no norte do Paraná. Na primeira vez ele passou sete meses pelos lados de Cornélio Procópio. No final do ano de 1931, fomos para lá. Mamãe, eu, Weber e Wilma. Foram também os tios Luiz e Carmem. Não me lembro da viagem, só lembro da casa que papai nos arrumou. Era uma casa feita de troncos de palmito, coberta com telhas de zinco.

A noite eu tinha medo, pois as paredes tinham enormes frestas entre os troncos e havia muitos grilos e bichos-do-pé. Logo depois, nos mudamos para uma casa melhor. Na frente era o bar e o posto do correio, depois tinha o quarto que, quando chovia, tinhamos que nos cobrir com o cobertor, de tantas goteiras que caiam. Depois do quarto era a cozinha, com paredes de palmito e chão de terra batida. Em Cornélio não tinha água encanada. Sei que mamãe sofreu muito devido a total falta de conforto. Passamos o final do ano de 31 para 32 lá mesmo e papai foi para o alojamento dos ingleses e nos deixou sozinhas.

Logo depois, acho que foi em fevereiro de 1932, voltamos para São Paulo. Papai ficou em Cornélio e, acho que, no final de maio, foi para Londrina. Quando rompeu a Revolução de 32 ele já estava em Londrina. Ficamos sem notícias dele por 3 meses.

Neste tempo, estávamos em São Paulo. O único homem da casa era o Weber, que tinha apenas 5 anos. Este período da Revolução merece um capítulo a parte. Como dizia, na casa só havia o Weber de homem. Tia Izabel costurava para os soldados, Yolanda bordava lencinhos que eram encomendas da Casa Alemã, que ficava na Rua Direita. Severina estudava, tia Mela se envolvia com o Movimento Constitucionalista. Vovó cozinhava e mamãe lavava e passava roupa para fora, a fim de ganhar algum dinheiro, para suprir nossas necessidades básicas, como leite, pão e café. O Weber gostava muito de bolacha de maizena, então mamãe fazia o maior sacrifício para não faltar.

O Movimento Constitucionalista Paulista era enorme, lembro que as moças usavam suéter e boina com as cores da bandeira de São Paulo e todas as noites iam a Estação do Norte, para ver o embarque dos soldados.

Nesta ocasião, recebemos a visita da Cruz Vermelha, que depois, nos mandou uma cesta básica, além de carvão para o fogão. Lembro que eu e o Weber, ficamos deitados na cama da mamãe e chorávamos de medo, quando passavam os aviões inimigos e as baterias anti-aéreas, que ficavam no Palácio das Indústrias, começavam a disparar.

A primeira notícia de papai chegou através de um amigo, pelo qual ele mandou 100 mil réis. Dias depois, chegou um telegrama dizendo que ele estava bem. Corria um boato em São Paulo, que os gaúchos estavam matando todos os paulistas que encontravam pela frente. Papai nos contou depois, que ele e vários amigos, ficaram escondidos nas barrancas do Rio Tibagí, fugindo dos gaúchos.

Dessas lembranças minha memória passa para a chegada à Londrina. Lembro da viagem de jardineira, da travessia da balsa pelo Rio Tibagí. Chegamos no dia 10 de dezembro de 1932 às 10 da noite. Mamãe, coitada, cansada da viagem com 3 crianças, sujas, com sono e com fome e Papai não havia nem armado as camas. Nossa pequena mudança já havia chegado há dias. Compunha-se de camas, berço e uma arca, onde estavam roupa de cama, mesa e banho, louças e panelas. Bem, ai já começou a primeira bronca da mamãe. Atanássio, que era empregado do papai, mandou buscar comida na pensão do Sr. Faria, enquanto, às pressas, montava as nossas camas.

Eu tinha 7 anos e meio, Weber, no dia 24, faria 5 anos e a Wilma, no dia 19 de janeiro, faria 2 anos. Papai, no dia seguinte da nossa chegada, isto é, no dia 11 de dezembro, faria 40 anos e mamãe tinha 30. Naquela época, as mulheres tinham coragem para enfrentar uma terra estranha, com todas as dificuldades possíveis. Desta vez, tinhamos água de poço, o que era uma grande coisa, se comparado com Cornélio, onde tinhamos de buscar água muito longe em baldes na cabeça.

No dia seguinte, quando acordei vi a nossa vizinha na janela, ela se chamava Latife Tarram, uma libanesa que veio para o Brasil com dois irmãos menores. Ela era solteira e uma pessoa muito querida. Minha infância foi tranquila e livre. Nosso quintal era imenso. Mamãe tinha um jardim, tinhamos criação de galinhas, uma cabrita e tivemos até um veadinho, que a vovó o alimentava com mamadeira, que infelizmente, logo depois, ficou doentinho e morreu.

Papai tinha um armazém chamado “Casa Caetano”. Nele eram vendidos “secos e molhados” e papai engarrafava uma pinga que ele chamava de “A famosa Caninha Pé nos Queixos”. Papai exercia também o cargo de “Juiz de Paz”, resolvendo casos de brigas entre vizinhos, marido e mulher, roubo de galinhas, pequenas querelas e, o mais importante, ele era também o “Juiz de Casamento”. Muitas vezes realizava casamentos nas cidades vizinhas, nas fazendas, sítios e colônias, como na dos “Russos Brancos”, assim chamados, por que eram fugitivos da Rússia, na época comunista.

No começo de 1933 comecei a frequentar a primeira escola particular de Londrina. Eu fui a primeira aluna, junto com o filho da professora, Dna Virginia Balducco, cujo pai era relojoeiro. A escola era de madeira, uma ½ água coberta com folhas de zinco. Só lembro que lá dentro era muito quente e o calor sufocante.

Começar a aprender geografia e história para mim foi o máximo. Papai comprava o material escolar em São Paulo, que vinha de trem até Jataí e, de jardineira, até Londrina. A carne que comíamos era de um açougue, cujo dono, o Sr. Gonçalves, era muito bravo. Ele usava um cinto na cintura, com uns 10 centímetros de largura e nós todos tinhamos muito medo dele. Tinha uma família enorme e eram evangélicos. Anos depois fui atender uma de suas filhas e, ai fiquei sabendo, que ele tinha sido um péssimo marido.

Havia também um tipo bizarro, era um índio de estatura enorme e que andava sempre a cavalo. Nós tinhamos muito medo dele e mamãe nos assustava dizendo que ia chamar o índio, quando fazíamos travessuras.

Um capítulo à parte eram as “correições”, que eram verdadeiros batalhões de formigas que invadiam as casas e faziam aquela limpeza de insetos. Logo depois que chegamos à Londrina, nos perguntaram se já havíamos recebido a visita das formigas. Até que numa noite elas chegaram. Era um verdadeiro exército de delas. O chão ficava preto. Entravam pelas portas, subiam pelas paredes, pelo foro do teto e depois iam embora. Naquela noite papai e o Atanásio nos tiraram de casa e ficamos no quarto do Atanásio comendo chocolate. A mordida de uma delas era muito dolorida.

Ao lado do armazém de papai, tinha também um alojamento para tropas que vinham fazer compras periodicamente. Geralmente dormiam no alojamento, traziam a sua própria comida, tomavam chimarrão e comiam carne seca com farinha.

Eu e o Weber brincavamos muito. Mamãe sempre trabalhando pesado, puxando água do poço, rachando lenha, torrando café, fazendo pães que assava no forno à lenha, lavando e fervendo a roupa, pois ficava encardida e manchada da terra roxa, passando roupa com ferro a carvão, além de cuidar da casa, dos filhos e do marido.

Pela época do Natal e Páscoa, mamãe fazia muitos doces para mandar de presente às famílias amigas. Há uma passagem, que marcou nossa lembrança. Mamãe estava fazendo bolo para a Dna Aurora, que era a dona da nossa casa e, não havia batedeira, aliás, nem luz elétrica nesta época. Era tudo batido a mão. Mamãe batia o bolo numa panela grande e, num minuto de distração, Wilma, que deveria ter uns 2 anos, apoiou-se na panela e esta virou com toda a massa por cima dela. Nestas alturas, mamãe ficou uma fera e ia dar-lhe umas boas palmadas, quando vovó interviu, levando-a para a tina, onde tinha a torneira, lavando-a e, ao mesmo tempo, livrando-a das palmadas da mamãe.

Papai teve de viajar com a vovó para São Paulo e o trem saía de Jataí. Neste dia o Weber sumiu por umas horas e quando voltou, estava todo ensanguentado. Ele havia levado uma machadada na cabeça. Estava vendo um rapaz rachar lenha, o machado escapou do cabo, atingindo-o bem na cabeça. Nessas alturas mamãe só lavou o rosto e a cabeça dele, embrulhou-o numa toalha limpa e levou-o para a farmácia, pois não havia médico na cidade. Foi uma tourada, pois foi preciso três homens para segurá-lo, para que o farmaceuta pudesse suturar os três cortes. Deve ter tomado um sedativo forte, porque, logo depois, ele dormiu o resto do dia. Antibiótico não existia, apenas cuidados de higiene. Cinco dias depois ele já estava bem.

Em maio de 1936 nasceu a Neide, nossa irmã caçula. Foi muito querida por todos, mas deu muito trabalho para a nossa mãe. Chorava muito e só queria colo. Tia Mela, nessas alturas, era a salvação da pátria, pois ficava muito tempo pageando a Neide.

E assim, fomos crescendo, mamãe enfrentando a vida rude de trabalho, com o pouco conforto da época e nós crianças, sempre felizes, tendo uma vida livre dos perigos das grandes cidades.

Uma vez por ano viajávamos de trem para São Paulo. No começo íamos de 2a classe, depois, a situação financeira melhorou e, então, passamos a viajar de 1a classe até Ourinhos, onde fazíamos a baldeação. O trem era o Ouro Verde e íamos de cabine e, assim, passamos a chegar mais descansados. Em São Paulo, como sempre, estavam o tio Luiz e o primo Turiddu à nossa espera. Pegávamos dois carros, pois um levava a família e, o outro, a bagagem. Naquela época, mamãe trazia até o pinico, além de água, lanche, cobertas, travesseiros, enfim, uma verdadeira mudança.

Logo que a Neide nasceu, papai começou a construção da nossa casa da Rua Maranhão. Eram dois lotes, na rua Maranhão 513 era a casa e, na esquina com a Rua Mato Grosso, ficava o armazém “Casa Caetano”.

Mudamos no primeiro aniversário da Neide. Mamãe preparou uma linda festa, tudo cor-de-rosa, desde a toalha da mesa, o vestidinho da Neide e todas as crianças convidadas vieram também de rosa. Só que como sempre, geralmente, no primeiro aniversário, a criança estava com febre e chovia a cantaros. Imagine na época, em Londrina, sem ruas calçadas, o barro que se formava com a chuva forte. Mas no fim, deu tudo certo.

Nesta mesma época, os “Irmãos Fuganti”, abriram uma loja enorme, vendendo de tudo, com preços abaixo do mercado. O resultado foi que muitos dos pequenos comerciantes foram à falência. Papai não foi, porque como havia sido caixeiro viajante por muitos anos e conhecia muita gente, conseguiu fechar acordos com todos os credores e conseguiu se livrar da bancarrota.

Papai, então, conseguiu alugar a nossa casa para a prefeitura, enquanto construíam a sede definitiva, o que aconteceu em meados de 1942. No armazém foi instalada a Comarca e nesse meio tempo, passamos por diversas casas.

Nesta ocasião papai teve um bar na Av. Paraná, chamado “Bar do Centro” e, que ficava, entre as ruas São Paulo e Rio de Janeiro. Mamãe é que fazia os petiscos, tais como: pastéis, empadinhas e, às 6as ferias, o famoso “bife a cavalo”, que era uma bisteca com osso, frita na chapa com cebolas e ovo frito, acompanhado das não menos famosas batatinhas fritas. Quando vinha peixe de água doce, eu e papai é que limpávamos, como o pacú, o pintado e o dourado. Eram peixes enormes que a mamãe fazia muito à “escabeche” e que eram vendidos no bar, enquanto que o ensopado, era só para o papai.

Nesta ocasião, 1938, foi inaugurada a iluminação pública e as primeiras casas com luz elétrica. O bar ficava bem em frente ao jardim, onde ficava o serviço de alto-falante. O locutor, Nelson Egas, que também era funcionário do Banco Noroeste, tinha uma voz forte e fazia os “reclames”, além de tocar as músicas, que eram dedicadas às jovens que faziam o “footing” naquele trecho da avenida.

Nesta época eu tinha 13 anos, já havia terminado o curso primário e cursava o complementar, que seria o 2o grau de hoje, mas, como havia poucas alunas no “Colégio Mãe de Deus”, o curso acabou fechando e eu, fui para o “corte e costura”.

No começo de 1939, papai começou a trabalhar na “Sul América”, como corretor de seguros, onde ficou até a sua morte em 1959. No começo de 1940, mamãe achou por bem, mudar para São Paulo, que era o sonho dela e papai ficou em Londrina. Acho que ele ficou morando com a sobrinha Severina, que já era casada e morava nas Casas Pernambucanas. Joaquim, seu marido, era o gerente.

Moramos em São Paulo por 6 meses e depois voltamos à Londrina – Graças a Deus! porque eu não gostava de São Paulo. Passamos então a morar numa casa de madeira na Rua Goiás, onde ficamos até meados de 42, quando então, voltamos para a nossa casa da Rua Maranhão. A Prefeitura já havia saído e voltamos felizes da vida. Ficamos nesta casa por mais 10 anos.

Esta casa foi muito importante para todos nós. Nela aconteceu o meu casamento, o noivado e casamento da Landinha, o noivado da Wilma, o nascimento de minha primeira filha, Maria Thereza, comemorações de aniversários, grandes Natais, Pascoas, reuniões de amigos etc, inclusive a morte da vovó Maria Thereza.

Para o meu casamento, meus pais acharam por bem, construir uma casinha de madeira nos fundos do quintal. Nesta casinha nasceu a Maria Thereza e a Neide, filha da minha amiga e colega Aya.

Logo após o casamento da Wilma, papai sofreu um AVC, o que nos preocupou muito. Então, os médicos acharam que papai não poderia mais morar em Londrina. Foi aí que, de uma hora para outra, desmanchou-se a nossa querida casa e, foi quando começamos a perder a nossa identidade.

Eu, casada, com uma filha pequena e grávida da Cristina, continuei em Londrina. Alaôr, meu marido, sempre procurando uma melhora de vida, fez negócio com o nosso amigo Tony e comprou um posto de gasolina em Bela Vista do Paraiso, que de Bela, não tinha nada e que de Paraíso, muito menos. Ficamos por lá alguns meses e voltamos para Londrina. O posto não deu certo.

Alaôr então começou a trabalhar na “Transparaná”, onde montava os “Jeeps” que vinham de São Paulo, todos desmontados. Lá ficou de 1952 a 55, quando arrumou emprego na Willys em São Paulo.

Sofri muito com esta mudança pois, aí sim, perdi minha identidade de vez. Deixei minha vida profissional, social e de conforto, pois tinhamos duas empregadas e uma vida muito boa. Em São Paulo não tinha nada disso. Logo depois, engravidei da Maria Cecília, o que me deu um novo animo em aceitar São Paulo.

Naquela época, a mulher tinha o dever de seguir o seu marido para onde ele fosse. Hoje, a mulher tem um comportamento e conduta bem diferente. Se fosse hoje, jamais teria deixado Londrina, onde eu tinha um lugar na sociedade e era alguém, coisa que numa cidade grande, você é um incomodo a mais para o seu vizinho.

Depois de uns três anos em São Paulo, Alaôr arrumou um bom emprego no Rio de Janeiro, numa agência de automóveis, como chefe de oficina. O Rio para mim foi muito triste e desgastante. Nos dois anos que moramos lá, muita coisa aconteceu. Sofremos um acidente de carro onde quebrei o nariz, houve o falecimento do meu pai, tivemos uma crise conjugal e a pseudo-paralisia da Maria Thereza, o que muito nos preocupou.

O dia mais feliz foi quando voltamos para São Paulo, apesar de deixar-mos muito boas amizades no Rio. São Paulo foi só passagem, porque Alaôr entrou de sócio em uma agência da Volks em São Carlos. Grande e boa cidade para se viver. Alaôr tinha boas idéias para o comércio de carros. Vivíamos muito bem, frequentávamos a sociedade, pois Alaôr entrou para o Rotary. Eu participava das reuniões e trabalhos assistenciais, as filhas frequentavam boas escolas e estávamos indo muito bem, até que a nova agência da Willys, onde Alaôr era sócio, resolveu abrir uma filial em Santos e lá fomos nós novamente.

Foi uma época de muitos altos e baixos, porque a agência ia indo bem, com boas prespectivas. Fazíamos parte do Rotary, que era muito importante para o Alaôr. Ai veio março de 64 e a Revolução. Neste ano a nossa agência ganhou em vendas e, como prêmio, Alaôr foi contemplado com uma viagem à França, para visitar a fábrica da Renault em Paris. Eu não pude ir por falta de dinheiro. Este prêmio foi muito importante para nós. Antes desta viagem, o nosso padrão de vida era muito bom. Tinhamos de tudo, carro, telefone, vida social etc, só nos faltava um imóvel. Na ocasião, o capital do Alaôr na firma era de 15 mil cruzeiros, valor que dava para comprar um apartamento.

Na volta da viagem, que durou um mês, as ações dele não valiam mais nada. Os sócios majoritários eram donos de frigoríficos em São Carlos e, em virtude do estado ditatorial, advindo da Revolução, eles sofreram o fechamento dos frigoríficos, levando todos a uma situação bem difícil. Perdemos tudo e Alaôr o emprego, sendo então, convidado a se retirar do Rotary.

Foi nesta época que voltei a trabalhar. Um amigo nosso, português e rotariano, me indicou para trabalhar na Beneficiência Portuguêsa de Santos. Fui tranquila, com meu diploma debaixo do braço e encarei o turno noturno. Aos poucos tudo se normalizou. Alaôr arranjou emprego em São Paulo e ia e vinha para para Santos todos os dias. A vida das meninas foi mais suave. Elas não sofreram muito. A praia, os amigos e a vida mais simples, ajudou-as a passar este período com mais facilidade.

MINHA VIDA PROFISSIONAL

Minha vocação para a área de atendimento aos doentes data desde menina. Queria mesmo era fazer enfermagem, mas naquela época, a profissão era meio discriminada. Era voz corrente que toda enfermeira era amante de médico. Por isso meus pais acharam que cursar obstetrícia seria mais apropriado. E lá fui eu para São Paulo estudar. A Escola de Parteiras funcionava no Hospital das Clínicas, sendo um curso apêndice da USP. Os professores eram todos da USP. O curso foi muito puxado, com aulas teóricas e plantões de 8 horas. Mas valeu a pena.

Voltei para Londrina com o diploma debaixo do braço, com 22 anos de idade e se achando dona do mundo. Trabalhei por 8 anos em Londrina como parteira. Atendia nas casas das pessoas proporcionando todo o conforto as minhas clientes. Atendi muita parturiente em casas bem humildes, trabalhando à luz de lampião, lamparina e até mesmo de vela. Fiz muitos partos recebendo como pagamento bananas, galinhas, pão caseiro etc. Procurei dar o melhor atendimento às gestantes, orientando-as a fazerem o pré-natal e tirando-do-lhes o medo da dor do parto. Outro tabú e costume que havia naquele tempo, era a dieta após o parto. O famoso resguardo dos 40 dias, após o nascimento do bebê. Era de costume as moças passarem os 40 dias, sem tomar banho por inteiro, sem lavar a cabeça e comer galinha todo esse período. Como eu tinha uma formação mais esclarecida, não era solicitada por muitas tradicionais, por acharem que eu era muito moderninha.

Fui amiga de todas as minhas clientes e, muitas eram amigas do tempo de mocinha. Era também muito respeitada profissionalmente pelos médicos com quem trabalhava. Atendia muito na Santa Casa e no Hospital São Leopoldo em Londrina.

Em 1955, Alaôr arrumou emprego na Volks em São Paulo. Era o sonho dele voltar à São Paulo e, o meu, era ir para Cianorte, onde poderíamos criar nossas duas filhas. Eu me dedicando à profissão e ele abrindo uma oficina. Mas o destino nos levou mesmo para São Paulo e por mais de 10 anos me dediquei somente às filhas, ao marido e à casa, voltando a trabalhar aos 40 anos de idade, quando estávamos em Santos. Depois voltamos para São Paulo, onde trabalhei em dois hospitais por mais 10 anos, um na zona sul e no Hospital Santa Helena, na Liberdade, onde me aposentei.

Não enriqueci com a minha profissão, pois nunca fui “fabricante de anjinhos”. Jamais me dediquei a esta prática, sempre a condenei e, jamais teria a coragem de fazer um aborto em qualquer pessoa.

Hoje sou reconhecida pelas minhas amigas e ex-clientes, recebendo carinho, palavras de elogio e gratidão pelo atendimento que proporcionei a elas num momento tão delicado como a do parto.

Cumpri bem a minha missão. Me sinto realizada, durmo com a consciência tranquila pelo trabalho que me propuz. Porque além da parte profissional, muitas vezes ajudei a dar um jeito na casa da paciente, fazendo uma canja ou limpando uma cozinha. Parteira do interior é assim: tem de fazer de tudo!

 

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A T E N Ç Ã O
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atualizado em 26/março/2017